Síndrome de Estocolmo
Carina Ferro - Gestora de projetos comunitários
Esta é a prova de fogo de Cavaco. A estabilidade governativa está longe de estar garantida com um Governo sem maioria parlamentar. A única grande vitória da coligação é não ter dispersão de votos à direita – a maleita crónica da esquerda. Aliás, a maioria dos votos está, precisamente, à esquerda, mas sem entendimento partidário, por agora.
O futuro do país, que se decidia ontem, continua por decidir – só que agora decidem os partidos e o PR. Nem no tempo em que Cavaco ou Guterres tiveram que sentar-se à mesma mesa com a oposição para poderem chegar a um consenso governativo, era a margem política tão reduzida. Nunca os “peanuts” valeram tanto!
Sim, a coligação PàF ganhou, mas ficou a milhas da maioria absoluta. Sim, o PS perdeu, mas encontrou uma vantagem posicional que pode ser decisiva para o futuro do país. Inédito, totalmente inédito. A democracia é fantástica, não é? Cabe ao PS criar condições para uma maioria à esquerda – embora a história nunca tenha colocado o PS e o PCP com o mesmo passo, e que o diga quem conhece o episódio Cunhal-Soares na marcha de consagração do 25 de abril – ou, a bem da estabilidade financeiro-política do país, um eventual acordo em momentos fraturantes com a direita – confesso que este último cenário me desagrada profundamente.
Infelizmente, esta “maioria de esquerda” não é sinónimo de um entendimento capaz de garantir a estabilidade governativa necessária, antes pelo contrário. E, nisso, o meu entendimento é claro: o PS não deve participar em maiorias negativas que procuram deitar abaixo o Governo de coligação sem que exista uma solução alternativa. Resta perguntar: Estarão o BE e PCP dispostos a entrar numa negociação onde correm o risco de perder a sua matriz partidária? Veremos.
Ao nível regional, a vitória é tão-somente da esquerda. O PSD conseguiu manter os seus três deputados, e tem que agradecer à Sra. Abstenção. O PS (2 mandatos) e o BE (1 mandato) são os grandes vencedores da noite, sem sombra de dúvida.
Os madeirenses votaram contra a austeridade, contra o PAEF, e relembraram ao PSD que o povo tem memória, em especial quando existe uma herança tão pesada quanto a deixada por Jardim. Factos são factos: o PSD perdeu 20 mil votos desde as últimas eleições legislativas nacionais, 26.152 madeirenses confiaram o seu voto ao PS, 13.342 confiaram no BE, e a Madeira decidiu que não basta falar em “confiança na experiência” quando a experiência demonstrou que aquilo que se diz em campanha, muitas vezes, não é para cumprir.
É uma questão de consciência, no fundo. Venha daí um novo ciclo. Por falar em campanha, e o que se diz em campanha, de facto estas eleições serviram para esfumar as dúvidas sobre o parco contributo que os novos partidos candidatos trouxeram a este debate. Às vezes, menos é mais. Falaram muito e disseram absolutamente nada. Pareciam ecos dos partidos do arco do poder; alguns pareciam apenas assombrações que ainda não decidiram se ficam ou se partem para um novo mundo – de preferência, fora da esfera política. Não digo que não tenham direito a exercer a sua cidadania, pelo contrário, mas que o façam como deve ser: com seriedade e responsabilidade.
Prometam como se, realmente, um dia pudessem exercer funções em cargos de decisão e cumprir essas promessas; prometam, mas prometam como se soubessem que iriam cumprir aquilo que gritam ruas fora durante duas semanas – aposto em como mudariam completamente o discurso. Não basta defender um novo hospital, é preciso explicar como, quando, e onde vão buscar o dinheiro para o fazer. Não basta dizer que querem apoiar os idosos, digam como o pretendem fazer.
Não basta dizer que há desempregados e que o Governo nada faz para promover o emprego – diga-se que, a bom rigor, nenhum dos que falou nisto foi capaz de apresentar uma única proposta para a promoção de emprego na Região. Não basta identificar o problema, é preciso apresentar propostas para solucionar o problema. Sejam mais pró-ativos e menos facilitadores do silêncio do povo.
Essa é a mensagem para os partidos com pouca expressão – e, perdoem-me, “para a primeira vez que somos candidatos, o resultado até nem foi mau”, não é digno de um representante político. Querem mais e melhor? Sejam mais e melhores. Afinal, “Portugal pode mais”, dizem.