O peão como parceiro rodoviário
Adelino Pimenta / Subintendente do Comando Regional da PSP/Madeira
Apesar de a legislação rodoviária prever regras bem definidas, cujo cumprimento é obrigatório, na mútua interação por parte dos condutores e dos peões enquanto destinatários do espaço público, projetado e preparado para a circulação de pessoas e veículos, essa parceria nem sempre é convergente ou pacífica. O incumprimento dessas normas, quer por uns quer por outros, tem contribuído grandemente para engrossar o número de vítimas relacionadas com a sinistralidade rodoviária na Região Autónoma da Madeira.
Assisti, recentemente, a um condutor com o veículo parado antes da passadeira, aguardando o seu atravessamento por um peão, que, dirigindo-se a este, dizia: “Isso não é uma passeadeira mas sim uma passadeira”. Isto espelha claramente a intolerância e a impaciência do condutor em ter de esperar que o peão concluísse a travessia, em passo moderado, como me pareceu que era o caso.
É sobejamente sabido que, entre veículos e peões, estes últimos são o elo mais fraco e, consequentemente, aqueles que mais sofrem com a ocorrência de um acidente. E entre estes, há três grupos, referenciados em vários manuais de aprendizagem, que devemos salientar:
As crianças – estas não sabem, de uma forma geral, lidar com o trânsito automóvel. O seu gradual desenvolvimento físico e mental leva a que só a partir dez ou doze anos de idade tenham as mesmas aptidões de um adulto. Entre outras debilidades, são destacadas as seguintes:
Têm maior dificuldade em identificar a origem dos ruídos dos veículos;
Têm menor dimensão física e, por isso, menos possibilidade de serem avistadas pelos condutores;
Atravessam as vias fora das passadeiras, em correria e por entre os veículos estacionados;
As suas capacidades físicas de resistência ao choque são inferiores à dos adultos.
Os idosos – Dado o seu processo de envelhecimento, vão perdendo as suas capacidades físicas e cognitivas e muitas vezes não têm consciência dessa perca, tornando-os o grupo mais vulnerável. As suas maiores debilidades são:
Dificuldades de locomoção, de visão, de audição e de reação;
Acreditam e seguem os outros peões, mesmo quando estes não estão a respeitar as regras do trânsito, nomeadamente na travessia das passadeiras;
“Stressam” e enervam-se em ambientes de muita afluência rodoviária.
Pessoas portadoras de deficiência – Podem ser crianças, adultos e idosos e as suas limitações podem ser de ordem física, sensorial ou psíquica. São cidadãos que, no seu quotidiano, deparam-se com dificuldades acrescidas, pois ainda existem muitas barreiras arquitetónicas que lhes criam maiores obstáculos de circulação. Muitas vezes não são auxiliados pelos outros cidadãos porque não são facilmente identificáveis. Felizmente nos anos mais recentes há uma maior sensibilização por parte das entidades que têm a responsabilidade no ordenamento do trânsito, e que têm dado contributos aplaudíveis, nomeadamente na eliminação de barreiras arquitetónicas e na criação e reserva de espaços próprios para estacionamentos de veículos conduzidos ou que transportam pessoas portadoras de deficiência.
ATROPELAMENTOS NA MADEIRA EM 2014
CONSEQUÊNCIAS DENTRO DA PASSADEIRA FORA DA PASSADEIRA
MORTOS 1 2
GRAVES 5 8
LIGEIROS 45 67
TOTAIS 51 77
Analisados estes dados, verifica-se que, num universo de 128 atropelamentos, mais de metade aconteceu fora da passadeira. Isto, à primeira vista, pode dar a ideia que o peão é o maior infrator, ou seja, porque atravessou fora da passadeira. Mas não, porque aqui estão contabilizados todos os atropelamentos que aconteceram fora das passadeiras, havendo ou não passadeiras para peões a menos de 50 metros.
O quadro explica também que as consequências são muito mais gravosas em acidentes ocorridos fora das passadeiras. A explicação encontrada, que eu comungo, é que nas proximidades das passadeiras o condutor assume mais cuidados, nomeadamente em termos de atenção ao ambiente que o rodeia e no abrandamento da velocidade.
Em conclusão, a legislação prevê sanções mais severas para o condutor pois, para além da sanção pecuniária, pune-o com sanção acessória de inibição de conduzir, entre outras penalizações possíveis, que até pode chegar à sua prisão. E tem lógica que assim seja, pois este conduz uma máquina que, quando mal governada, pode matar.
Na via pública, não há direitos diferentes. Ela existe para ser partilhada por todos nós, quer sejamos condutores ou peões, respeitando mutuamente as regras instituídas. Acima de tudo, com grande respeito pelos outros.
“Não há nada mais inteligente no ser humano que o exercício da partilha”
Wilton Júnior – Psicólogo