Esperança
Gonçalo Santos / Profissional de Comunicação
“O país está crescendo” dizia-me o taxista, com o sotaque doce dos moçambicanos, enquanto fintava o trânsito do centro de Maputo.
(andar de carro pela capital moçambicana assemelha-se a circular numa pista de carrinhos de choque. É uma aventura permanente, que mistura “chapas” apinhados e jeeps topo de gama, velhos automóveis japoneses e carros de caixa aberta que fazem a vez de transportes públicos, pelo menos a julgar pela quantidade de gente que transportam. Que inclui buracos do tamanho de crateras lunares, estradas onde de repente acaba o asfalto e começa a terra batida, peões que se atravessam sem pensar muito nas consequências, vendedores de toda a espécie de bugigangas, que empurram carrinhos de mão maiores do que eles, entre outras obstáculos).
Mas voltando ao nosso homem do volante: “Ainda falta muita coisa, ainda há muitas dificuldades, mas a república cresce. Nem sentimos a crise mundial aqui”.
Adepto convicto do Benfica,
(a propósito, foi porreiro ver o Porto-Sporting cá. Foi porreiro ver a tasca apinhada com moçambicanos trajando orgulhosamente as camisolas verdes dos leões e as azuis dos dragões. Foi porreiro vê-los vibrar ou sofrer mais do que nós, portugueses…)
Antigo emigrante na África do Sul, o homem do volante sonha ir a Portugal. Para ver o Estádio da Luz. “Para ver um jogo” do seu Benfica. E tem esperança de que os vermelhos ganhem mais um campeonato. Mas para isso, “há que vencer o Braga, mas não é fácil. Este ano perdemos sempre com eles”.
Esperança. Esperança é a palavra que pode definir o momento atual de Moçambique. Esperança de que ganhe o Benfica.
(ou o Sporting, ou o Porto).
Esperança num futuro melhor, que mascara as dificuldades do presente.
Esperança num desenvolvimento que traga casas, escolas e saneamento básico e transportes.
Esperança de que a guerra não volte, apesar de estar sempre presente no horizonte.
O contraste com Portugal é flagrante e lembra-me uma história que a Mariana, uma amiga minha de Lisboa, me contou na véspera da minha viagem para Moçambique:
– Um dia, em África, falámos da crise em Portugal. O nosso interlocutor africano já tinha ouvido falar do assunto. E perguntou-nos quantas vezes comíamos por semana, na Europa. Olhámos para ele e ficámos calados.
Enquanto nos afogamos num pessimismo que mutila, enquanto temos a Dona Merkel e a troika e o cinzentismo do bloco central e mais não sei quantas dificuldades, reais ou imaginadas, a 9.000 quilómetros de distância há um taxista que, enquanto finta o trânsito desgraçado de Maputo, ri e fala de esperança.
Há um vendedor de cigarros que acha que pode chegar a presidente da República. De Moçambique.
Há esperança atrás do balcão das barracas do “museu”.
Há esperança nos olhos da vendedora de colares de conchas à beira do Mira Mar.
“Quantas vezes vocês comem por semana, na Europa”?
Obrigado, Mariana, pela história. É o meu guia para entender Moçambique. Para perceber a esperança que anda no ar.
(Bem, ficámos a centímetros de um “chapa” apinhado. “Amigo, é melhor a gente não falar mais do Benfica”, disse eu ao homem do volante. Ele riu. Terá sido a esperança a evitar o acidente?)