As tradições da Páscoa em Portugal sempre foram muito ricas e bastante populares. Mas, se umas se mantêm, apesar da evolução dos tempos, outras – como as proibição de varrer a casa ou de ouvir música – têm vindo a desaparecer.
Na meninice de Cecília Silva não havia um meio-termo: a Páscoa era para ser vivida intensamente. No período da Quaresma, as sextas-feiras sem carne até nem eram dos maiores sacrifícios. Mais difícil era mesmo a preparação para a Páscoa, os terços rezados de joelhos e os rituais da Sexta-Feira Santa.
“A Sexta-feira Santa era um dia muito triste. Não podíamos rir, nem sequer varrer a casa. Ligar a rádio era proibido e vestíamos de roxo para fazer luto pelo Senhor”, recorda a câmara-lobense.
As manifestações públicas de alegria só eram permitidas após o Sábado de Aleluia. “Se nos apanhava na galhofa, a mim ou a um dos meus irmãos, a minha mãe repreendia-nos logo: ‘se te morresse o pai também te ponhas a rir?'”, conta a idosa.
Num tempo em que “não havia fartura”, o Domingo de Páscoa vivia-se com simplicidade e, garante Cecília Silva, com mais respeito pelas crenças religiosas. Talvez, por isso, não tenha hesitado em impor os mesmos rituais da sua infância às duas filhas. “Claro que já não rezavam o terço de joelhos como eu, quando era pequena, mas faziam jejum e tudo o resto”, observa.
Dos corredores de frésias ao ‘papel do sacrifício’ do padre Tavares
Apesar da austeridade Pascal, há coisas que Cecília Silva não mudaria. Uma delas, a tradição de plantar frésias. Ainda hoje, lá estão elas, alinhadas no canteiro de acesso à porta principal da casa térrea, circundada por árvores de fruto flores das mais variadas espécies.
O perfume destas coloridas plantas é, alias, uma das memórias pascais que Cecília Silva se orgulha de partilhar com a filha, Maria, e as duas netas. “Faço questão de ter estas flores no meu jardim”, afiança a mulher.
Maria, a filha, aprecia o gesto que lhe permite perpetuar as memórias de uma Páscoa que mudou muito, entretanto. Hoje, refere, poucos observam o jejum tão criteriosamente como nos tempos da sua infância. “Eu própria nunca impus esse hábito lá em casa”, admite a jovem.
Desses tempos, Maria guarda recordações felizes como os torrões de açúcar – “tanto as flores e como as guloseimas com o mesmo nome”, ri-se -, o almoço do Domingo de Páscoa, os jogos do Balamento e até mesmo ‘o papel do sacrifício’ do padre Tavares que a mãe, Cecília Silva, fiscalizava com empenho.
“Era um desenho de Páscoa e, por cada boa ação, nós pintávamos um bocado. Quando maior fosse o sacrifício, maior o pedaço de desenho a pintar. O papel era depois deixado no altar, durante a missa da Páscoa. Era um momento muito especial”, lembra Maria.
Com menos sacrifício e mais açúcar, o certo é que a Páscoa continua a ser vivida de forma intensa pela comunidade de fiéis. As cerimónias religiosas são o ponto mais alto desta época de extrema importância para a Igreja. Na Madeira, tradições como a visita do Divino Espírito Santo (Compasso), a encenação da via-sacra e as procissões estão longe de desaparecer.