Estamos a ver-nos gregos. Até eles, os gregos, se veem gregos com o referendo à porta. “*Deverá ser aceite o projeto de acordo que foi submetido pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional no Eurogrupo de 25.06.2015 e que compreende duas partes, que constituem uma proposta unificada?
O primeiro documento designa-se ‘Reformas para a Conclusão do Programa Atual e Mais Além’ e o segundo ‘Análise Preliminar da Sustentabilidade da Dívida’*.” Esta é a pergunta. “*Não aceite/Não*” ou “*Aceite/Sim*” são as possibilidades de resposta. Reconhecimento da legalidade do referendo à parte, o que é perturbante é ver que o fenómeno Syriza colocou a Troika no lugar onde Portugal (vulgo, seus dirigentes políticos) nem sonhou considerar colocar. Dar voz ao povo, responsabilizar o povo pelas decisões tomadas em relação ao futuro do país. Resume-se a isto.
E que saudades tenho eu desta responsabilização cívica! Portugal fez bem diferente: não interessa nada lutar pelo povo português. Aliás, parte do povo português – os que ainda restam. “Saiam da vossa zona de conforto”, dizem. “Não apelámos à emigração, é um mito”, dizem. Contas feitas, só na Madeira, entre abstencionistas e emigrantes, são mais de cem mil. E como somos o país mais submisso da Europa, só nos preocupa o referendo da Grécia porque a bolsa portuguesa começou a tremer com a possível implosão do euro e alguém disse que “depois da Grécia, Portugal” – não dá jeito nenhum em tempo de campanha. “Há limites para os sacrifícios que podemos pedir aos portugueses” só serviu em período de campanha, e serviu muito bem a muitos que acharam que isto não podia ficar pior do que estava. E ficou.
Voltando aos gregos. Não me vou debruçar sobre as implicações do “não” e do “sim” porque é tema suficiente para uma dissertação, mas vou debruçar-me sobre a atitude e a mensagem. Não é à toa que se diz “armou-se em Syriza” ou “faz falta um Syriza na Madeira”. É a atitude. Tsipras e Varoufakis parecem gladiadores no ringue europeu. Motivaram os espectadores como pouco se viu ao longo da história contemporânea, e reafirmaram os valores gregos dos tempos em que foram o berço da Europa. Autênticos semi-deuses da mitologia grega. E como todo o semi-deus, esqueceram que nesta Europa que desonra o verdadeiro sonho europeu, há um preço para o ser humano que desafia a hierarquia imposta implacavelmente pela Troika. Lançam os gregos, quais tropas, numa viagem que pode culminar no retorno ao paganismo europeu, ou no confronto de titãs entre os semi-deuses e os “troikanos”.
A parte chata é que este referendo demonstrou que a dupla de semi-deuses defende avidamente os interesses dos seus habitantes, mas esqueceu-se do preço que os demais países europeus terão que pagar em qualquer dos desfechos previstos. É a crónica de uma morte anunciada para o euro e a promoção da maior crise de sempre da história da União Europeia – não esquecer que a conta da mercearia da presidência que fala em 19-1=18 é capaz de esconder uma dívida mais próxima à da Madeira do que se possa pensar.
Por cá, nada de novo, portanto. As negociações importantes e cruciais para o futuro da Madeira fazem-se, curiosamente, depois das eleições legislativas, assim ao jeito de “quem vier depois que feche a porta”. É por estas, e por outras que, olhando para Portugal e para a Grécia, e com a campanha eleitoral à porta, só me apetece dizer: destroikem-me e logo votamos.