Desde que eu me lembro, sempre houve uma grande resistência ao uso dos cintos de segurança, por parte dos condutores e dos passageiros da Madeira, em todo o tipo de veículo automóvel.
Mas isto, na minha opinião, não tem nada a ver com alguma forma de desobediência coletiva às leis instituídas em Portugal, levada a cabo por parte dos condutores e passageiros madeirenses. Não, isto tem a ver com um conjunto de circunstâncias que, por várias razões, foram criadas por todos nós madeirenses, onde me incluo também, entre os responsáveis pela fiscalização.
É sabido que entre outros fatores motivadores do cumprimento da lei, como sejam a pedagogia, a sensibilização e a consciencialização, nunca poderá faltar a fiscalização e a penalização pelo incumprimento, que são, por certo, a última forma de impor o desejado cumprimento. Ou seja, se falhar a fiscalização e, consequentemente, a aplicação das sanções legais, o incumprimento da regra legal é uma certeza.
E foi isso que aconteceu aos madeirenses. Numa fase inicial da criação da legislação, que impunha a obrigatoriedade legal do uso do cinto de segurança, essa aplicação não foi imposta na Madeira, logo os madeirenses não se sentiam na obrigação de cumprir aquilo que era para cumprir “lá fora”. Recordo-me que, há mais de três décadas, quando incorporei uma Esquadra de Trânsito, alguém me disse “isso não se aplica cá!”
Vou tentar explicar, de forma lacónica, o porquê desta forma de pensar e de atuar dos madeirenses, relativamente ao cinto de segurança:
- A lei nacional obrigou a que fossem instalados cintos de segurança, nos bancos da frente, a todos os veículos, ligeiros e mistos, matriculados após o dia 1 de Janeiro de 1966;
- Obrigou também que esses mecanismos fossem instalados, nos bancos da frente e da retaguarda, a todos os veículos ligeiros de passageiros e mistos, matriculados a partir de 27 de Maio de 1990;
- Paralelamente, os condutores e passageiros foram obrigados ao uso do cinto de segurança, nos bancos em que os veículos estivessem dotados deste mecanismo, por imposição legal, a partir das datas referidas. Mas impôs ainda mais: desde que os veículos possuam instalado o dispositivo de retenção, mesmo sem obrigação legal, os condutores e passageiros são obrigados ao seu uso.
NA MADEIRA, ATÉ 1990, A SITUAÇÃO NÃO FUNCIONOU BEM ASSIM:
- Entre os anos 1966 e 1990, os ocupantes dos bancos da frente dos veículos ligeiros de passageiros e mistos, que circulavam no continente português, fora das localidades, usavam o cinto de segurança. A obrigação era só para fora da localidade. Na Madeira, entendia-se que não havia “fora da localidade”. As distâncias eram curtas, nunca se perdia de vista o casario, andávamos sempre dentro da localidade. É o entendimento daqueles que, ainda hoje, defendem que temos poucas estradas fora da localidade, excluindo alguns casos, como seja as estradas que atravessam o Paul da Serra;
- A partir de 1990, data em que a legislação obrigou à instalação dos cintos de segurança em todos os bancos de todos os veículos ligeiros (passageiros, mistos e mercadorias) e ao seu uso por parte de quem neles se sentassem e, ainda, à obrigatoriedade do uso dentro da localidade, na Madeira, começou-se a pensar nesta nova realidade, que nos pareceu irreversível. Mas começamos também a pensar na forma de contornar o dispositivo legal, com algumas argumentações, não tão despropositadas, mesmo com alguma lógica, que eu próprio cheguei a comungar;
- Por proposta do Governo Regional da Madeira, foi aprovado na Assembleia Legislativa da Madeira, um projeto de diploma, que visava isentar o uso do cinto de segurança na Madeira, tendo em conta o acidentado do terreno no seu espaço geográfico. Apesar de que esse projeto legal não foi sancionado pelo Sr. Ministro da República da Madeira, a intenção ficou;
- Perante estes factos, com a ajuda da sensibilização e fiscalização, por parte da Polícia de Segurança Pública, os madeirenses começaram a cumprir, conforme as leis, e a taxa de cumprimento é satisfatória;
- Mesmo assim, continua a observar-se um incumprimento muito grande no tocante ao uso do cinto nos bancos da retaguarda.
Entretanto a legislação foi sendo aprimorada, alargou-se o seu âmbito a outros veículos e a outros passageiros (crianças; transportes escolares; veículos pesados; etc.). Começou-se a encaixar a ideia de que o uso do cinto de segurança é um necessário e fundamental à segurança dos ocupantes dos veículos automóveis.
Hoje, acho que não alinhava na ideia de isentar o cinto de segurança, em qualquer estrada da Madeira, especialmente quando constatei a ocorrência de um acidente trágico, na Via Rápida, em que os ocupantes do banco da frente, que estavam com os respetivos cintos colocados, saíram feridos ligeiros, mas três ocupantes da retaguarda, todos muito jovens, que não colocaram o cinto, morreram, dois no local e um já no hospital.
Apesar de que não conhecer a taxa de incumprimento sobre o uso do cinto de segurança no restante universo português, estou convicto que na Madeira é muito mais elevada, especialmente nos bancos da retaguarda, motivada pelas razões que apresentei e, em muitos casos, por desconhecimento. Também é certo que uma certa tolerância, por parte da entidade fiscalizadora, não tem ajudado muito