Instrumentalizações políticas à parte – nesta altura de campanha é muito provável que estejam a acontecer – chocou-me ver a posição de tantos Madeirenses face à ideia, lançada pelo Governo Regional, de receber alguns refugiados no arquipélago. Num arquipélago com um milhão de emigrantes, estamos a falar em receber 80 pessoas, pasme-se…
Li dezenas de comentários nos quais tudo se confundia e que, na maioria dos casos, revelavam medo – que resulta em preconceito – e falta de capacidade para perceber o que está em jogo e que no fundo, se traduz numa equação muito simples. Há uma crise humanitária à porta da Europa. Há gente a morrer em camiões frigoríficos, em barcos sobrecarregados, nas nossas praias, nas nossas estradas. Há gente que que foge de atrocidades que nem imaginamos. Há gente que morre, todos os dias, nas fronteiras do castelo que alguns querem construir e que nos aprisionará.
Como europeus, temos a obrigação moral de auxiliar, na medida daquilo que nos é possível, os seres humanos que hoje nos batem à porta. A questão nem é discutível. Existem direitos inalienáveis. O direito à vida é um deles. O direito à dignidade é outro. Não podemos querer ser a Europa dos valores e, quando temos de colocar em prática a definição, escondermo-nos.
Confundir os problemas internos como o desemprego ou a pobreza, com o apoio aos refugiados é confundir o inconfundível. É óbvio que todos temos, ou devemos, agir para minorar os nossos dramas e os dramas pelos quais passam tantos dos nossos compatriotas. Ninguém põe isso em causa. Ninguém afirma que aqueles que chegam às portas da Europa têm mais direitos do que os “nossos”. São patamares tão diferentes que compará-los é estar à espera de um comboio na paragem do autocarro, como canta o Sérgio Godinho.
Lamento. Acreditar na democracia não é acreditar que todas as opiniões são aceitáveis da mesma forma. Porque opiniões que não respeitam os direitos mais básicos não são respeitáveis e não têm lugar no debate democrático.
Chocou-me perceber que ainda há tanto medo na minha terra. Que ainda há tanto preconceito.
Foi o medo que alimentou os últimos 38 anos. Foi o medo que ajudou ao crescimento desta crise. Será de novo o medo, essa besta, que nos fechará a janela aberta nas últimas eleições porque se calhar, impede a consolidação de uma verdadeira democracia. Um povo com medo não pode, porque não sabe, viver num regime saudável, plural, com respeito pelo outro, com respeito pelas diferenças. Um povo que não percebe o mundo em que vive não é capaz de integrar-se nele, pelo menos, fora dos guetos da portugalidade e da insularidade. É um povo que se fecha e que se defende.
Quero por isso acreditar que as dezenas de comentários que li não representam a maioria dos madeirenses e portosantenses. Quero acreditar que a maioria de nós não se revê neles. Quero muito, talvez muito mais do que em outras vezes, estar redondamente equivocado e ter tomado a nuvem por Juno.
Alexandre O’Neil terminou o seu Pouco Original Poema do Medo com os versos com que eu, de forma pouco original, fecho estas linhas.
O medo vai ter tudo quase tudo e cada um por seu caminho havemos todos de chegar quase todos a ratos
Sim
a ratos