Quando Joaquim Pires entrou no quartel dos Bombeiros Voluntários da Ribeira Brava na última terça-feira para cumprir mais uma madrugada de trabalho estava longe de pensar que aquela noite seria uma das mais marcantes até agora da sua vida.
“Já estávamos na cama e recebemos um alerta para um caso de envenenamento, no Lombo de São João, na Ponta do Sol. Diziam-nos que havia uma senhora idosa e uma criança que ainda estava quente e com vida. Saímos o mais rápido que pudemos e ao chegar ao local falamos com a irmã. Quando entrei no quarto, para fazer a abordagem, vi logo que a criança estava cadáver pois já apresentava rigidez. Não havia nada que se pudesse fazer”, relata Joaquim Pires, segurança de profissão e que há oito anos é bombeiro voluntário.
A forma como Maria Violante, 53 anos, e o filho Vítor, 11 anos, se encontravam foi um dos aspetos que mais marcou o jovem bombeiro que acedeu falar em exclusivo ao AgoraMadeira sobre o delicado tema.
“Estavam deitados na cama. A criança estava deitada de barriga para cima e a mãe estava de lado. Estavam de mãos dadas, virados um para o outro. A mãe estava a segurar a mão da criança em cima da barriga dele. Estava numa posição de carinho, de conforto”, observa, complementando: “O menino estava vestido com o equipamento do Pontassolense. Provavelmente tinha vindo há pouco tempo do treino. Recordo umas chuteiras de cor laranja que lá estavam”, lembra.
Joaquim foi mesmo o primeiro a entrar no trágico local, para além da família de Maria Violante. “Estava lá a irmã, o cunhado e outro irmão. Depois começaram a chegar alguns vizinhos para tentar entrar e, casa mas nós não os deixamos para proteger o local do possível crime”, garante.
A CARTA COM OS MOTIVOS E COM A DESPEDIDA
O ato mortal premeditado estava descrito numa carta que lá se encontrava no quarto. “Na carta ela dizia o motivo do que tinha acontecido e fazia uma despedida. Li a carta mas não posso revelar o conteúdo, como deve compreender”, confessa Joaquim Pires.
Ao fim de mais duas horas num dos serviços mais longos e difíceis da vida, Joaquim Pires regressou ao quartel. “Cheguei ao quartel pelas 04.30 horas da madrugada e não consegui dormir. Tanto eu como o colega que foi comigo. Nós não somos super heróis, somos seres humanos, temos os nossos sentimentos pois também somos pais. Aquela imagem está sempre gravada na minha memória. É complicado mas vai passar. Tenho uma filha com seis anos e naquele tempo que lá estive fui pensando na minha filha”, realça, algo emocionado.
Mas afinal, qual a razão para a atual onda de suicídios? “Penso que a crise é a principal culpada disso. Há muitas pessoas que querem pagar uma casa e não conseguem, querem comer e não conseguem…”, destaca, lembrando que nos últimos tempos tem vindo a fazer serviços mais difíceis.
“Nesse dia também tinha vindo de uma paragem cardíaca de um senhor idoso, que já estava cadáver quando lá chegamos. Antes, no meu último serviço do ano, também estive a reanimar, junto com a EMIR, durante 1 hora e 40 minutos um senhor, na zona de Meia Légua, que ia viajar para a Venezuela. Ele não sobreviveu a uma paragem cardíaca”, recorda.
NO 20 DE FEVEREIRO, JOAQUIM RECOLHEU PARTE DO CORPO DE UMA CRIANÇA
No 20 de Fevereiro de 2010, Joaquim Pires vivia a outra das situações mais complicadas enquanto bombeiro.
“Na zona do Continente da Ribeira Brava, recolhi uma parte de um corpo que pertencia a um um menino que tinha sido arrastado do Pomar da Rocha. Isso também foi marcante”, assume.
Joaquim é segurança no Madeira Shopping, dá aulas de Krav Maga e é bombeiro há oito anos. “Fui militar durante muitos anos e sempre gostei da parte do serviço de saúde. Sempre quis ajudar e tentar ser útil em alguma coisa e ser bombeiro glorifica-me. Gosto muito e no futuro via-me a ser só bombeiro. Sou voluntário e às vezes até gasto mais do aquilo que recebo para trabalhar. Vivo no Funchal e vou todos os dias para a Ribeira Brava. Não compensa mas sou bombeiro voluntário com orgulho. Devia haver mais incentivos para o voluntariado”, conclui.